terça-feira, 27 de abril de 2010

Quando mudam as estações

Eu não sou nenhum rei ao qual devem pagar tributos ou a quem devem idolatrar. Não preciso que me paguem impostos, que me vistam e que façam reverências à minha presença. Mas minha personalidade tem uma certa inspiração em antigas majestades, tem um quê pomposo em sua estrutura, recheada de orgulho e exigente de respeito. Sem falar na tirania presente em cada segundo pós decepção.
Creio eu que sou carinhoso, amoroso e outros osos mais que podem ser traduzidos para o lado romântico. Sou cativado facilmente, me deixo levar e me permito fantasiar muitas coisas. Mas isso tudo é preso a um lado cruel e sanguinário, que é frio o tempo que eu me permitir ser. Um lado que bate em corpo morto, que nega esmolas e que não dá o casaco pra namorada. Um lado capaz de chutar crianças.
As vezes você chega a pensar se não está virando um bandido. Eu não sei aonde isso tudo vai chegar, e não estou tão preocupado. Costumo fazer as coisas do meu jeito, e esse é o meu jeito. Quando o verão vai embora, ele leva um tempo pra voltar. Um tempo regado de frio e melancolia, um tempo em que as folhas caem.
Notei o lápis no teu olho, e não sei se foi pra me atingir, consciente ou inconscientemente. Note que o meu está nu, distante, e tudo o que eu faço é de caso pensado.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Childhood

Eu tenho poucas lembranças da minha infância. Lembro que eu me achava ridículo, e de fato era: gordinho, com roupas escrotas, o calção acima do umbigo e as meias eram quase joelheiras. Cabelo semelhante a uma tigela, bochechas grandes e um humor terrível. Lembro que os meninos de classe social mais elevada que depois de alguns anos viriam a ser meus amigos me chamavam carinhosamente de "quadrado".
Eu não convivia bem com derrotas, com o fato de ser contrariado e com decepções rotineiras. Não saía de casa, tinha medo de ficar em algum lugar sem a minha mãe. Passava as tardes brincando no tapete da sala com homenzinhos de pernas quebradas, pois sempre tive o dom de quebrar tudo o que eu gosto.
Passei vários anos sonhando com um computador, e praticamente assombrei minha mãe até ela me dar um. Afinal eu era um produto capitalista nato que adorava ganhar mais e mais e mais. Sempre tive devaneios, sempre me peguei imaginando coisas, falando sozinho, crescendo sozinho. Meu irmão nunca foi o ideal de companheiro que eu tinha, e meu pai não era um super herói - não que eles tenham culpa disso. Minha mãe também tinha que conviver com toda essa bagunça familiar, e eu acho que eu não ajudava tanto.
Eu lembro da revolta, do ódio, da vontade de quebrar tudo, de matar tudo, mas isso nunca saiu do meu mundo de desejos silenciosos, já que sempre fui um bom menino e frequentemente era citado como bom exemplo entre as mães de amiguinhos.
E foi aí que até então odiava o conceito de família percebi do jeito mais desagradável possível que eu era extremamente dependente de uma - abalaram a minha. E depois de um abalo sísmico de grande magnitude, nada é o mesmo. Não que eu possa - ou queira - dizer que esse Bruno morreu, mas ele provavelmente teve uma mudança de personalidade. Ou melhor, ele vem constantemente moldando seu eu lírico até ter o jarro que sempre idealizou.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Depressão pós ressaca

Uma garrafa de uísque pela metade e alguns maços de cigarro jogados pela mesa. Está tudo sujo, tudo jogado. Tudo fora do lugar, como ele sempre gostou. Se reparar bem, no meio de toda a bagunça você vai ver um corpo. Um corpo caído, inconsciente, mas não morto.
Não que não quisesse estar assim, mas os acasos o deixaram vivo. Cada dia mais vivo, cada dia mais convicto de sua vivacidade. Cada dia mais acostumado com o fato de que se tem que estar aqui, vai estar do seu jeito. E então as bebedeiras se tornaram constantes, o pulmão já não responde com o mesmo reflexo de antigamente. É em um ritmo desenfreado de cigarros que começa o dia, e em compassos sinuosos de alcolismo que vai se deitar. Se deitar é modo de dizer, pois cai no primeiro lugar que acha, e ali fica, com a cabeça girando, até o corpo adormecer.
E então o dia amanhece, e se mais uma vez o acaso deixar, vai acordar com a cabeça explodindo, a boca seca, o estômago embolado. E aí recomeça: outro maço pra aliviar a dor, algumas doses pra servirem de xarope, e uma folha de papel pra escrever cartas de suícidio que ninguém vai ler.
Tudo continua bagunçado, e ainda não veio ninguém limpar. E nunca vai vir. Não enquanto o cheiro de fumaça e bebida estiver no seu casaco.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Não é "oi" de cumprimento

Hoje meu cabelo estava sujo e meus olhos estavam nus. A barba pronta pra ser feita, a cara de quem apanhou, inchada de sono. Hoje estava frio. Hoje eu estava feio. Hoje eu sonhei um pouco, tive devaneios, ri alto e não fiquei triste. Hoje senti ciúmes, fiquei irritado, fui um aluno murrinhento e rabisquei cadeias carbônicas em folhas brancas. Calculei o número de eletrons que passaram pela bitola de um fio, e também a intensidade. Fiz fotos nas quais pareço delinquente juvenil, ornamentei meu ouvido mais uma vez e acabei na mesma padaria, na mesma cadeira.
Hoje eu não fiz porra nenhuma. Hoje foi um dia normal, um dia sem graça. Hoje foi mais um daqueles dias em que algumas cenas o tornam divertidos, mas que não ficam pra sempre na memória. Hoje percebi que eu não lido bem com a rotina, com o corriqueiro, o habitual. Quero hoje intenso, hoje memorável - não hoje.